Justiça flexibiliza quarentena para nova transação
Por: Marcela Villar
Fonte: Valor Econômico
Uma sentença da 2ª Vara Federal do Rio de Janeiro flexibilizou a
quarentena de dois anos imposta pela Procuradoria-Geral da Fazenda
Nacional (PGFN) para contribuintes firmarem nova transação tributária
quando descumprem acordo anterior. O entendimento foi de que o prazo
deve começar a contar na data do inadimplemento de três ou mais parcelas
e não no dia em que o Fisco formaliza o cancelamento.
Neste caso, a diferença entre as datas foi de dois anos. A Columbya Serviços de
Apoio Operacional havia firmado transação por edital em 2021 para quitar
dívida de R$ 1,7 milhão, mas atrasou o pagamento das parcelas de julho, agosto
e outubro de 2022. Como a União só formalizou a rescisão em outubro de 2024,
isso impediria a empresa de negociar débitos fiscais até outubro de 2026. Com
a sentença, ela já está autorizada a firmar um novo acordo.
São poucos os precedentes sobre o assunto e menos ainda os favoráveis às
empresas, segundo tributaristas. A advogada Mary Elbe Queiroz, sócia do
Queiroz Advogados e presidente do Centro Nacional para a Prevenção e
Resolução de Conflitos Tributários (Cenapret), lembra de precedentes do
Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), com sede em São Paulo, a
favor do argumento da Fazenda Nacional.
Os desembargadores entendem que a contagem do prazo de dois anos se inicia
quando finalizado o processo administrativo. Eles têm aplicado, por analogia,
decisões da 1ª e 2ª Turmas do Superior Tribunal de Justiça (STJ) envolvendo
Refis, favoráveis à União (REsp nº 1655035 e 1528693). Nos julgados, foi
levado em conta que se a lei que institui o parcelamento prever procedimento
administrativo de exclusão, “o termo inicial da prescrição é a exclusão formal
deste”.
“A ‘ratio decidendi’ extraída desses julgados deve ser aplicada, por analogia, na
definição do termo inicial do prazo de proibição para a formalização de nova
transação previsto no parágrafo 4º do artigo 4º da Lei nº 13.988/2020, haja vista
que tal diploma legal estabelece a necessidade de procedimento administrativo
para a implementação da rescisão, com possibilidade de impugnação e purgação
da mora pelo contribuinte”, disse o desembargador Carlos Francisco (processo
nº 5015778-93.2024.4.03.6100).
Mas também existem decisões favoráveis aos contribuintes, como recente
sentença noticiada pelo Valor, da 1ª Vara Cível Federal de São Paulo, no caso
da empresa em recuperação judicial HN (processo nº 5012085-
67.2025.4.03.6100). E outra dada pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região
(TRF-5) que livrou totalmente uma empresa de cumprir a quarentena (processo
nº 0801350-37.2025.4.05.0000).
O intervalo de dois anos é regulamentado pela lei de transação tributária (nº
13.988, de 2020). Para o juiz Mauro Luis Rocha Lopes, da 2ª Vara Federal do
Rio de Janeiro, o prazo deve começar a correr logo após o inadimplemento da
terceira parcela - o que no caso da Columbya foi em outubro de 2024.
Isso porque o ato administrativo subsequente “apenas formaliza o
encerramento da negociação no sistema”. “A interpretação adotada pela
autoridade coatora, ao vincular o início da contagem do prazo à data da
formalização administrativa da rescisão (12 de outubro de 2024), viola o
princípio da segurança jurídica, pois confere à administração a prerrogativa de
postergar indefinidamente a aplicação da penalidade, inclusive por sua própria
inércia ou conveniência administrativa”, disse, na sentença (processo nº
5053520-38.2025.4.02.5101).
O tributarista Raphael Longo, sócio fundador do escritório R. Longo
Advogados que atuou no caso, diz que tentou uma solução na via
administrativa, sem sucesso, o que motivou o mandado de segurança. Na visão
dele, a interpretação dada pela PGFN é um problema. “Tem sido um obstáculo
recorrente e impedido muitas empresas que querem poder transacionar”,
afirma.
Ele lembra que, sem um acordo em vigor, continuam as cobranças nas ações
de execução fiscal. “Elas colocam em risco o patrimônio da empresa porque a
qualquer momento pode sair uma ordem de bloqueio judicial”, diz. Se a União
seguisse a interpretação dos contribuintes, poderia inclusive aumentar a
arrecadação federal. “Nesse cenário de crise fiscal, se tivesse uma leitura mais
baseada na estrita legalidade, abriria-se portas e viabilizaria muitas empresas a
se regularizarem”, adiciona.
Para Longo, a lei sobre transação tributária diz expressamente que “implica
rescisão da transação o não pagamento de três parcelas consecutivas ou
alternadas”. “A rescisão aconteceu com a inadimplência das parcelas. O ato
declaratório do Fisco só reconhece uma situação que já se caracterizou no
passado”, diz.
Essa também é a visão da tributarista Mary Elbe Queiroz. “O ato da
procuradoria é meramente declaratório, só confirma o que já aconteceu”,
afirma, elogiando a sentença. “O entendimento da União é injusto, porque se
for começar a contar do ato formal a empresa pode ser prejudicada pela inércia
da Fazenda Nacional”, completa.
Ela diz que apesar de os juízes estarem um pouco mais flexíveis à tese, a maioria
das decisões da segunda instância tem acatado o argumento do Fisco. “Se o
TRF-2 seguir o entendimento que está se sedimentando no TRF-3 e que se
baseia em decisões do STJ, a sentença pode ser revista”, afirma.
Procurada pelo Valor, a PGFN não deu retorno até o fechamento desta edição.